A dupla Victor & Leo bem que gostaria de lançar discos a cada dois, três anos, mas sabe que a pressão do mercado nacional não permite tamanho intervalo entre um projeto e outro. A urgência por novidades é maior quando se trata da música sertaneja. Nesse segmento, lançamentos precisam ser ainda mais constantes
Por isso, Victor & Leo já preparam um novo disco de inéditas, que será o sucessor de “Boa Sorte Pra Você”, de 2010. Dessa vez, a dupla comandará todos os processos de gravação. “Faremos produção, arranjos, masterização e outras funções necessárias para a gravação de um CD”, comenta Victor.
O músico explica que resolveu agir assim, pois não ficou contente com o resultado final dos últimos projetos de estúdio da dupla. “Não desgosto desses discos, apenas tenho a impressão de que ficaram inacabados. E não é só culpa dos produtores envolvidos. São CDs gravados em momentos de muita tensão e estresse. Como estávamos em evidência, nem tempo para tirar férias tínhamos. Vivíamos cansados e engatando uma turnê na outra. Resolvemos isso no início desse ano, quando paramos por dois meses. Esse descanso foi essencial”, garante.
Enquanto o disco não sai, a dupla está em turnês cada vez mais diversificadas. A cada ano, Victor & Leo encontram mais espaço nas cenas pop, rock e MPB. Outro filão de shows que a dupla tem explorado favoravelmente é o corporativo. “Não era comum que duplas sertanejas fossem convidadas para tocar em eventos corporativos, porque o gênero ainda estava muito calcado em referências regionais. Como nossa dupla mistura folk, soft rock e MPB ao sertanejo, conseguimos criar um som global que agrada públicos formados por pessoas com gostos diversos (como é o caso nas apresentações empresariais)”, explica Victor.
A seguir, a dupla comenta essas novidades na carreira, sem deixar de abordar temas espinhosos, como a atual situação do cenário sertanejo e a questão da arrecadação e repasse de direitos autorais. (Por Helder Maldonado)
Visto Livre: Vocês lançaram um álbum em castelhano, chamado “Nada Es Normal”. Como foi a recepção dele no mercado latino?
Victor: A aceitação desse trabalho no mercado latino foi ótima. Aproveitamos e lançamos também um documentário em castelhano. Fizemos divulgação em cinco países, sempre com êxito. O primeiro país pelo qual passamos foi o México. Na seqüência, fomos divulgar em Miami (Estados Unidos), Porto Rico, Argentina e Colômbia. Em todos esses países, o público foi receptivo. Nessas ocasiões, nos apresentamos em shows-cases bem sucedidos e realizados em teatros. No México, o projeto quase alcançou a marca de disco de ouro. Mas nosso trabalho foi prejudicado pela epidemia de gripe suína. Quando decidimos retomar a carreira internacional, a gravadora pediu para que permanecemos um período muito longo no exterior. Então preferimos dar prioridade ao mercado brasileiro. Ainda estávamos muito em evidência por aqui e não conseguiríamos conciliar as agendas. Então, abrimos mão desse projeto. Mesmo assim, até hoje algumas canções gravadas em espanhol continuam no top 100 das mais tocadas da América Latina.
Visto Livre: Mesmo com todo esse sucesso garantido, por que não retomaram o projeto de aumentar a popularidade da dupla na América Latina?
Victor: Só quando pudermos conciliar as agendas. Quando dizemos não, alguns executivos da gravadora chegam a comentar que estamos perdendo uma oportunidade de ouro. E estamos, de fato. Mas o mercado brasileiro é nossa prioridade. No futuro, nossa ideia é excursionar 100 dias por ano pelo exterior.
Visto Livre: A música da dupla é influenciada principalmente pelo folk nacional. Esse é um estilo que sempre ficou relegado a públicos restritos. Com vocês, esse estigma foi quebrado?
Leo: Apesar do estilo ser pouco popular no Brasil, sempre fomos influenciado por ele e pela música sertaneja de raiz. Contudo, artistas como Neil Young, Eagles, Mark Knoplfer, Renato Teixeira e Almir Sater nos fizeram ter características parecidas com a folk music. Mas temos influências variadas para fazer música. Não somos tão restritos.
Visto Livre: É difícil rotular a dupla, aliás. Como vocês classificariam o som que vocês fazem?
Victor: Quem melhor definiu nossa música foi o Renato Teixeira, que a intitulou de folk ou nova música sertaneja. Na última década, uma das únicas duplas que apresentaram ideias inéditas para abordar o tema “sertão” foi Victor & Leo. Tanto que temos músicas como “Deus e eu No Sertão” e “Vida Boa”, que são bucólicas e poéticas, mas trazem uma linguagem moderna. E o público entende isso, tanto que participamos de festivais de rock como o Lupaluna em Curitiba e Planeta Atlântida (um ano em Porto Alegre e o outro, em Floripa). Fora outros eventos de MPB. O Chitãozinho disse que nossa música é universal. Isso pôde ser notado quando lançamos a carreira internacional. O mercado latino recebeu nosso trabalho como sendo de pop music. No Brasil, é que existe o estigma de que duplas quase sempre são sertanejas, mas nossa música é universal e muito pouco tribal.
Visto Livre: O sertanejo tem vivido um ótimo momento no que diz respeito à consolidação do mercado, porém péssimo quando o assunto é a qualificação de arranjos e letras, já que grande parte das duplas se copiam. Isso pode atrapalhar a evolução do gênero?
Leo: A música sertaneja passou por várias etapas. A música que se faz hoje é diferente do que se fazia há dez anos. Em todos estilos é assim. Hoje, a música sertaneja ganhou um formato universal e de fácil assimilação por parte de quem antes só curtia rock ou axé. Essa universalização eu encaro como positiva. Por outro lado, junto disso, surgiu uma maneira mentirosa de se produzir música. Muita dupla visa só o sucesso, a fama e o dinheiro, copiando fórmulas anteriormente consagradas. Isso é prejudicial. Radialistas, músicos, contratantes e executivos de gravadora perceberam isso. Hoje já é até difícil diferenciar uma dupla da outra. Fora isso, muitos artistas sertanejos têm pulado etapas naturais a um artista em início de carreira. Dessa maneira, formam uma dupla num dia e no mês seguinte, já estão excursionando com carreta, ônibus adesivado e estrutura de artista top.
Victor: Exatamente. Mas a verdade sempre aparece. Na década de 1990, também existiam cópias descaradas. Mas a peneira passa e sobram artistas com essência.
Leo: Não dá para generalizar também. Alguns novatos fazem trabalhos com essência. Mas a porcentagem é ínfima.
Visto Livre: O sertanejo ajudou a indústria a ser menos focada em capitais e no litoral e olhar a cultura dos interiores do país?
Victor: A música sertaneja é uma grande verdade, com raízes na cultura do Brasil. Não é criação de produtores. Começou com os índios tocando violas. E desde então, vários nomes tornam esse estilo cada vez mais forte. Sinceramente, não sou adepto a bairrismos. O Brasil é um país de preconceitos. Quem é evangélico, não gosta de católico. O corintiano, não gosta do são paulino. O roqueiro detesta o pagodeiro. Essa história já passou da hora de acabar, não é verdade?
Visto Livre: Por agradar públicos variados, a dupla tem conseguido espaço no mercado corporativo, que antigamente era dominado pela MPB?
Victor: Temos feito vários shows corporativos. Nunca a música sertaneja foi tão forte dentro desse segmento. A MPB o dominava, ao lado do pop rock. Mas as empresas entenderam que nossa música atingia todas as classes e passaram a nos levar em conta. Tocamos em companhias de alto escalão, de empresas de cosméticos a automobilísticas.
Leo: Nos sentimos muito honrados, não por sermos nós os primeiros sertanejos a entrar esse segmento. É uma realização, claro, mas o que é mais importante é diminuir o preconceito.
Visto Livre: A dupla atingiu o sucesso quando ainda era independente e depois assinou com a Sony. Com tanta gente da música sertaneja se dando bem na independência, por que resolveram se aliar à uma grande gravadora?
Leo: Entramos para a Sony depois de termos relativo reconhecimento no interior. Não éramos famosos em nível nacional, mas já fazíamos muitos shows e tínhamos músicas em primeiro lugar nas rádios. Tudo isso sendo independente. Mas gravadoras têm papel essencial no trabalho de um artista. A Sony ajudou a criar um projeto de marketing especializado, melhorou a distribuição de nossos produtos. Se houver a oportunidade de ter uma gravadora ao lado, as coisas podem ser mais fáceis. No nossa caso, somou.
Victor: O importante é ser um artista, independente da gravadora. Muitas pessoas só são artistas com a ajuda de uma gravadora. Astros de antigamente tinham essa mentalidade. Um artista faz o que? Arte. Quem torna isso sucesso é a gravadora ou um agente especializado. Nossa parceria com a Sony é baseada nesse conceito. A gravadora não interfere em nossa música e na gravação de discos. A Sony acredita no nosso potencial artístico e nós, na qualidade de gerenciamento da companhia. A partir disso, tudo é soma. Parcerias são importantes.
Visto Livre: Aproveitando o assunto, gostaria de saber se vocês estão atualmente em estúdio preparando um novo projeto?
Victor: Somos criadores compulsivos. Mal comemoramos a finalização de um projeto e já pensávamos no próximo. No momento, estamos em estúdio finalizando um novo trabalho. Mas não temos a pretensão de lançar um disco atrás do outro. Já achamos um absurdo lançar um disco por ano. O ideal seria um novo CD a cada dois ou três anos. Infelizmente, o mercado nacional exige essa rapidez. Ano passado, não gravamos DVD, só um CD e um documentário. E nesse ano, será apenas um CD de estúdio. E o DVD fica para 2012 ou 2013.
Victor: Ou o Chinese Democracy, do Guns’n Roses, né? Mas no geral demoramos menos para finalizar nossos trabalhos, é claro.
Visto Livre: Victor, você é um dos maiores arrecadadores de direitos autorais e até mesmo garoto propaganda do ECAD. Ainda assim, você teria alguma ressalva para fazer a respeito do modo como funciona o repasse e a arrecadação de direitos no Brasil?
Victor: É uma questão polêmica, mas não tenho como acompanhá-la de perto. O relatório que eles me mandam, é o que eles escolheram me mandar, não é algo que exijo. E uma coisa posso dizer: recebo e poderia viver estritamente disso. Reinvisto esse dinheiro no meu trabalho. Nunca pedi para receber. Fiz o cadastro na Abramus e ela repassa os direitos. Agora, a política brasileira de arrecadação de imposto de renda, eu conheço. E mesmo que exigisse um “repasse” dessa entidade, não receberia. E essa verba é destinada ao que não deveria. Assim, o estado da educação e saúde no país é um vexame. E a população ainda assim não exige nada do governo. Por isso, não posso reclamar do Ecad, pois recebo sem exigir, enquanto do governo, não recebo nem exigindo. Prefiro brigar com quem não me dá retorno.
Visto Livre: Alguns jornalistas preferem abordar a vida pessoal, do que conversar sobre música com vocês. Como encaram essa postura da mídia?
Leo: As pessoas fazem qualquer coisa para aparecer e faturar. Geralmente, alguns valores são deixados de lado nessa hora. Nós nunca nos rendemos aos padrões da mídia. Todo mundo dizia que devíamos deixar de lado as letras com contexto poético e os arranjos mais elaborados para cairmos logo nas graças do público e jamais concordamos com isso. Hoje, as pessoa dizem que devíamos abrir mais nossa vida pessoal. Isso é importante, mas não nos rendemos a isso. Eu fiz uma matéria sobre Dia dos pais e tanto o Victor como eu demos entrevistas sobre nossas atividades esportivas. Mas quanto à família, preferimos nos reservar. Eu tenho filho e esposa. E eles nunca são expostos.
Victor: Eu me entendo como artista e cantor. Estudei para isso. Estudei cinco anos de canto. Sabemos o que fazemos. Não digo que faço bem. Mas sei o que faço. Se me perguntarem se eu to fazendo uma quarta, uma terça, uma oitava, uma primeira, sei responder. Não brinco de cantar para poder fazer sucesso. Tudo isso é sério. Tenho muito orgulho dos nossos primeiros oito meses de fama. Enchíamos espaços para dez, quinze mil pessoas, só por conta da nossa música. A maioria das pessoas que ia a esses shows nunca tinha visto nossa cara antes. Tanto que, antes do show, podíamos ir no meio da plateia, comer um churrasquinho, bater um papo com a galera, ouvir o que pessoal estava falando sobre nós. A maioria das pessoas que perguntam sobre nossa vida pessoal, não vão encontrar detalhes. Não sou uma pessoa pública. Meu trabalho é que é público. Quem vai ao show tem que ir por causa da música. Como a música não é palpável, nem visível, tomamos a liberdade de apresentá-la em cima de um palco. Não sou eu que faço sucesso, é a música. Quando alguém quer me fazer de ídolo, rejeito.
FONTE: VISTO LIVRE / POR HELDER MALDONADO / FOTO: MILENE CARDOSO.